"Não matarás" é o que diz o Senhor em Êxodo 20, 13, e é também o que Jesus reafirma em Mt 2, 21-22, mas em um tempo marcado pelas discussões sobre aborto, eutanásia, pena de morte, tortura, homicídio, suicídio e tudo mais que envolva a dignidade da vida humana, como o cristão se vê diante deste mandamento? E o que a Igreja Católica fala sobre ele e qual seu entendimento final? O quinto mandamento é esmiuçado no Catecismo da Igreja Católica dos números 2258 até 2330, e justamente sobre estes números da principal fonte de respostas às dúvidas católicas é que iremos nos debruçar e buscar compreender a relação que este tema possui com os dias atuais. Então comecemos do princípio, o que é que o mandamento proíbe? Conforme o § 2258: A vida humana é sagrada porque desde sua origem ela encerra a ação criadora de Deus e permanece para sempre numa relação especial com o Criador, seu único fim. Só Deus é o dono da vida, do começo ao fim; ninguém, em nenhuma circunstância, pode reivindicar para si o direito de destruir diretamente um ser humano inocente. [1] A tradução do mandamentoO primeiro cuidado a se tomar diante de um texto escrito originalmente em outra língua é quanto à sua tradução. Alguns tradutores, por presunção ou por certa ignorância, reduzem ou alteram termos de importância tremenda para a interpretação correta de um texto. Segundo especialistas, o termo correto, utilizado para o original é Ratsach (תרצח) = usada no sexto mandamento = assassinato violento de um inimigo pessoal. Não assassinarás seria uma tradução viável. Este verbo nunca é usado para indicar um assassinato em defesa própria (Ex 22:2), uma morte acidental (Dt 19:5), a execução de assassinos (Gn 9:6) ou situações de guerra. O verbo rasah é usado para suicídio, mas não é aplicável ao homicídio não-premeditado (Ex 21:12-14) ou acidental (Nm 35:23). [2] O quinto mandamento não é específico, ou seja, não determina ou exemplifica situações com as quais a pena capital é plausível de ser aplicada, mas na história da cristandade primitiva, é conhecido que aqueles que cometessem certos crimes e pecados eram condenados e por vezes, sofriam a pena de morte - assassinato premeditado (Ex 21:12-14), sequestro (Ex 21:16; Dt 24:7), Incesto (Lv 20:11-14), Ferir ou amaldiçoar os pais (Ex 21:15; Lv 20:9; Pv 20:20; Mt 15:4; Mc 7:10), entre outras situações levavam à perda da vida de quem quer que cometesse. Porém o hebraico possui outras formas de se descrever o fim da vida, como [3]:
Vale também lembrar que o tempo das espadas já passou, e nosso tempo, por mais injusto e violento que seja, é bem mais pacífico do que o tempo do Antigo Testamento e nossa sociedade já possui mecanismos jurídicos e forças policiais que atuam na defesa da vida e da integridade dos indivíduos e da sociedade em geral. Já não precisamos mais seguir o antigo código "olho por olho e dente por dente", e acima de tudo, devemos respeitar a integridade da vida alheia e a essência Divina, o Sopro do Espírito Santo nos nossos semelhantes, assim como eles devem respeitar aquela Fagulha Divina que há em nós. A Legítima DefesaE quanto aos que não respeitam a integridade da nossa vida, e atentam contra ela? Bom, é certo que respondemos apenas por nossas ações, mas em certos casos, temos grave dever de proteger aqueles que não podem, e se nos omitimos quanto a tal, pecamos também gravemente. Eis o que diz o Catecismo, quanto à legítima defesa da vida humana: O amor a si mesmo permanece um princípio fundamental da moralidade. Portanto, é legítimo fazer respeitar seu próprio direito à vida. Quem defende sua vida não é culpável de homicídio, mesmo se for obrigado a matar o agressor [...] A legítima defesa pode ser não somente um direito, mas também um dever grave, para aquele que é responsável pela vida de outros. Preservar o bem comum da sociedade exige que o agressor seja impossibilitado de prejudicar a outrem. A este título os legítimos detentores da autoridade têm o direito de repelir pelas armas os agressores da comunidade civil pela qual são responsáveis. A doutrina católica reforça a obrigação daqueles que são responsáveis pela vida de outros de proteger seus tutelados e garantir-lhes a devida defesa. A legítima defesa não é um meio de se reduzir os números de violência, e o direito à posse de uma arma não é uma questão que irá efetivamente propiciar uma redução drástica no número de crimes. A legítima defesa - e a posse de arma - possui a mesma finalidade de um casaco: proteger aquele que o possui, ou qualquer um que esteja sob seus cuidados. Quando estamos com frio, vestimos o casaco para que nosso corpo não troque calor com o ambiente e não se esfrie, assim. Não vestimos casaco para acabar com o frio, ele é além das nossas forças. Quando a população possui o direito de ter armas em casa - uma pequena parcela da população gostaria de ter - o faz não para acabar com a violência, mas para proteger-se dela. Leia o artigo O Catecismo e a Legítima Defesa, na área Breves Notas. Disponível aqui. A Pena de MorteA Igreja Católica não defende deliberadamente a pena capital, muito pelo contrário, a doutrina Católica defende a misericórdia e o perdão, assim como Jesus ensinou no seu Sermão da Montanha. Porém, "O ensino tradicional da Igreja não exclui, depois de comprovadas cabalmente a identidade e a responsabilidade do culpado, o recurso à pena de morte, se essa for a única via praticável para defender eficazmente a vida humana contra o agressor injusto." (CIC, § 2267) O Catecismo ainda diz que sempre que "Se os meios incruentos bastarem para defender as vidas humanas contra o agressor e para proteger a ordem pública e a segurança das pessoas, a autoridade se limitará a esses meios" (CIC, § 2267). Desta forma, a Igreja não defende que a pena de morte seja aplicada de maneira desordenada e desenfreada, com a finalidade de reduzir a população carcerária, mas sim que ela seja aplicada àqueles que apresentarem longa lista criminal e um perigo iminente à sociedade civil. Não Matar.O quinto mandamento é claro: não podemos tirar a vida de outras pessoas, sejam elas quem forem ou o que forem. O infanticídio, o fraticídio, o parricídio, o assassinato de cônjuges, assim como também a falta de respeito para com sua dignidade são danosos às relações humanas e aos vínculos profundos que existem na família. Não há laço familiar que supere um crime tão bárbaro como o assassinato de uma criança, ou de uma idosa, ou até dos próprios pais. Toda a família perde seus alicerces, e a estrutura se dilacera. Assim também, quem comete o aborto ou incita sua mulher ou filha a cometê-lo, também está sob pecado grave. Diz o Catecismo: "A vida humana deve ser respeitada e protegida de maneira absoluta a partir do momento da concepção." (CIC, § 2270) A questão sobre quando o feto pode ser considerado humano, ou outras indagações similares, são rejeitadas pela Igreja, e seus direitos devem ser protegidos desde o primeiro momento da sua existência. A luta da Igreja contra o pecado moral do aborto não é algo atual. Desde os primeiros séculos a cristandade condena o ato do aborto - vide Didaquè [4] - e roga a Deus misericórdia por aqueles que incentivam e cometem tal injúria contra o Senhor e contra uma vida inocente. É coerente defender a pena de morte e ser contra o aborto?Com certeza. A posição oficial da Igreja não é à favor da pena de morte, de forma propriamente dita, apenas permite que, caso não haja outra forma de proteger a sociedade da atuação maléfica de determinada pessoa, melhor que se finde sua vida, para que a vida de outros inocentes sejam poupados. Quando pessoas alguém é condenado à morte, é porque o Estado já não possui mais opções para recuperar a dignidade daquela pessoa e retirá-la da margem da sociedade, ou seja, a pena capital é a última das hipóteses no roll de opções que o sistema deve possuir. Dificilmente alguém que comete mais de 2 latrocínios irá se reinserir na sociedade, ou quem já praticou mais de 20 roubos, por exemplo. Estas pessoas que possuem uma longa lista criminal e não se arrependem, dominam as artes do crime e assim que são presos, ao compartilharem uma cela comum com dezenas de outras pessoas acabam ensinando a elas como roubar, narrando suas "glórias" no crime e dificultando a ressocialização daqueles que estão reclusos da sociedade. Vale sempre lembrar que tudo é uma questão de escolha. Alguns casos são complicados de mais para um simples julgamento de valor ou moral. Como alguém que já possui passagem pela polícia irá conseguir um outro emprego? Quem vai lhe oferecer condições dignas de se sustentar? Como ele irá recomeçar sua vida? Todas estas questões devem começar a ser respondidas ainda na prisão, e é isso que a maioria dos presos faz. Quando saem decididos a permanecer no crime, permanecem até que a polícia os trancafie de novo, e quando saem com o firme propósito de emenda, possuem grandes chances de serem pessoas dignas dali em diante. Já uma criança - um feto - no ventre de sua mãe não pode escolher se prefere viver ou não, ela está sujeita ao juízo de sua genitora. Quando uma criança inocente é privada do seu direito à vida, há uma violação do curso natural da humanidade e do seu ciclo da vida. Não é apenas uma questão religiosa ou um tabu que a sociedade não permite que seja discutido, mas uma questão moral de extrema importância para quem diz defender direitos humanos. Além disto, diversos estudos realizados por instituições sérias alertam que a prática do aborto induzido - que é aquele em que o bebê é horrivelmente retirado do interior de sua mãe - podem gerar graves consequências à saúde da mulher, como por exemplo: aumento do risco de câncer de mama - saiba mais aqui e aqui - e aumento do risco de problemas mentais - saiba mais aqui; [1] Catecismo da Igreja Católica, Edições Loyola, 2000, p. 588;
[2] Matar ou não matar? Contradições - Gólgota. Disponível aqui; [3] Idem; [4] Didaquè: A Doutrina dos Apóstolos. Site Eclesia. Disponível aqui. |